sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Sobrecoxas com Chandelle

Há alguns dias não saía do seu quarto escuro, apelidado de caverna por seus amigos que se revezavam, entrando e saindo do apartamento. Levavam colo, água, comida e, na maioria das vezes, também sua companhia e ouvidos.
Ela não sabe bem porque, mas todos os seus amigos arregalavam o olho e tentavam disfarçar algum sentimento de surpresa, sempre que ela abria a porta. Talvez ela tenha ficado um pouco abatida por conta de alguns dias sem comer, sem ver a luz do sol, chorando eventualmente, com o cabelo digamos, descuidado, e com seu camisão cinza do Piu Piu todo amarrotado.
É, talvez fosse isso.
Era domingo à noite e a geladeira mais parecia uma igreja, com duas garrafas de vinho e um pacote de pão, e isso o que era comestível, porque os amigos faziam a mesma cara de susto sempre que abriam a porta da geladeira.
Sua amiga decidiu que já era hora dela sair da “caverna”, e hora de colocar alguma comida naquela despensa. Sabendo que ela adora ir ao supermercado, achou que seria um programa útil e inofensivo.
Ledo engano.
Ela estava um pouco desnorteada, foi seguindo as gôndolas e colocando no carrinho os itens mais desconexos possíveis. Tinha de Raid Mata Baratas ao lado de brownies, a Vanish com requeijão cremoso.
A amiga via tudo, mas não interferia até ver a ração de cachorro.
“Mas você não tem cachorro!” E foi tirando o pacotão do carrinho.
As duas separaram-se um pouco, a amiga também tinha suas compras pra fazer, sobrecoxas de frango para comprar.
Quando a amiga finalmente a encontrou, ela estava parada no balcão refrigerado, precisamente em frente à pilha de Chandelle e chorava copiosamente. “Mas porque você está chorando?” Perguntou sem entender absolutamente nada.
“Ele adorava Chandelle.” Respondeu aos soluços.
Foi a gota d’água.
A amiga deu-lhe um esporro, sobre como não se podia mais ficar chorando em todos os lugares, ainda mais no supermercado, como ele não merecia que ela ficasse tão tiste... e aquelas coisas que as amigas dizem umas às outras quando se termina um namoro.
Já sem a menor paciência, colocou o pacote de 3kg de sobrecoxas nos braços dela e disse “Fica aí que eu vou pegar o carrinho”.
Aí ela ficou lá, os dois braços estendidos, um pacote de 3kg de sobrecoxas sobre eles, as lágrimas escorrendo e o olhar fixo no Chandelle. Alguns clientes acharam que era uma estátua viva e colocariam algumas moedas no chapéu, se houvesse um. Um senhor já quase sem os cabelos brancos se aproximou, olhou de cima a baixo e saiu balançando a cabeça negativamente.
A amiga voltou, tirou as sobrecoxas dos braços já congelados dela e, aborrecida, saiu empurrando os dois carrinhos até o caixa.
Passando as compras pelo caixa, ela não se conteve, partilhou sua história e lágrimas com a operadora.
A mulher estava super maquiada, de sombra amarelo fluorescente, combinando com o rímel também amarelo fluorescente, mas ambos não combinavam em nada com a cara amarrada que ela tinha. Mau humor deve ser critério de desempate utilizado pelos supermercados na etapa de seleção. Para ser operadora de caixa a pessoa deve estar sempre de cara amarrada e ter braços fortes, para arremessar suas compras bem longe.
Ela contava para a operadora de caixa como estava triste porque tinha acabado de se separar, como era difícil a separação... as lágrimas desciam sem controle e nada, nada mesmo comoveu a mulher que mal levantava os olhos, mas resmungava “hum” ao final de cada sentença.
As duas foram embora, a amiga maldizendo a ideia de levá-la ao supermercado, empurrando ela e dois carrinhos pelo estacionamento. Enquanto dava-lhe mais um sermão, daqueles que dizem que não se pode ficar chorando em todos os lugares, ainda mais no supermercado e que ele não merecia que ela ficasse tão triste.

Minha amiga é a Gorda, amigona do peito, irmã camarada.
Depois desse dia já voltamos ao mesmo supermercado algumas vezes. Da última, tocava Roupa Nova a todo volume, mas dessa vez, nós dançávamos e riamos muito, lembrando das sobrecoxas com Chandelle e da operadora, tão simpática!

4 comentários:

Ana Karenina disse...

Esse dia realmente foi inesquecível!!! Ainda bem que você fez um registro,assim não esquecemos de nenhum detalhe. Vamos rir eternamente desse episódio!

Beijos

Ana Karenina disse...

Esse dia realmente foi inesquecível!!! Ainda bem que você fez um registro,assim não esquecemos de nenhum detalhe. Vamos rir eternamente desse episódio!

Beijos

Flocos disse...

Era para rir, mas eu me emocionei. Vá entender... Deve ser porque você escreve com a alma. Tudo o que vem da alma mexe comigo. A piada, a receita de bolo, o não ter o que fazer, o programinha furado, as coisinhas aparentemente insignificantes...Porque a vida só tem graça se a gente fala com a alma.

Rata de Cozinha disse...

Gordinha como você me lembra as vezes, a vida tem a cor que a gente pinta. E a gente adora uma cor! Thanks love you!!

Floquitos! Que bom que você gostou! Você sabe que sou fã dos seus escritos!! E fã desse jeito só seu de ver a vida!! Love you too!