terça-feira, 27 de setembro de 2011

O Caruru

E pela manhã ele foi embora. Em pouco tempo o apartamento estava vazio e ela também. Foi tudo rápido, como tirar um esparadrapo sem dor.
Mas doeu.
Como sempre, o tempo fez sua parte e tudo foi ficando mais calmo.
A comida sempre foi um refúgio para ela e dessa vez não foi diferente, assim que o mundo tornou a ser colorido, ela voltou para a cozinha e ali foi se reencontrando com ela mesma.
O universo conspira sempre, dessa vez conspirou também; em forma de presentes.
A vizinha trazia bananas e laranjas; a colega de trabalho, especiarias da sua viagem; o pai, queijo de coalho; a mulher do amigo, doces...
Os amigos foram chegando, a mesa ficando cheia de novo, a cozinha perfumada e quente era a vida voltando ao seu normal.
Não havia mágoa ou rancor, a vida é assim mesmo, as pessoas se separam...
Naquele dia, não.
Pode-se perdoar tudo, mas por causa dele ela ia perder aquele banquete. E isso era imperdoável.
Logo ao despertar, a lembrança veio à sua mente. Ainda de olhos fechados, lembrou das cores, chegou até a sentir o cheiro da comida. Salivou ao lembrar-se do sabor quase proibido nos dias comuns, mas que seria completamente permitido naquele dia.
Não era só a comida, era o ritual. As panelas no fogão, o cheiro pela casa, as risadas, o entrar e sair constantes. Faz-se o primeiro de muitos pratos, há que se tomar cuidado, não se pode pesar na mão.
E assim, cuidadosamente outros pratos são feitos.
Sempre os mesmos sabores combinados, eles se completam e não há o que se arriscar em um dia como aquele.
No fim da jornada, os pratos tingidos de amarelo dourado são empilhados na pia, todos estão satisfeitos, plenamente satisfeitos.
Ainda não. Ainda há o tiro de misericórdia. Bolo. Macio e delicioso, com gosto de infância como deve ser. Há quem pense que está satisfeito, que não há necessidade. Mas basta sentir o primeiro pedaço derretendo na boca, para querer mais e mais.
Agora sim todos estão satisfeitos, plenamente satisfeitos.
Naquele dia, não.
Ela abriu os olhos e lembrou que a vida era colorida sim, mas não era mais como antes.
Secretamente desejou que ele tivesse uma dor de barriga daquelas.
E foi trabalhar.

Feliz aniversário a quem é de aniversário!

5 comentários:

Anônimo disse...

Putz!!!

Ju disse...

Amo tu, visse?

Ana Karenina disse...

Como lembrar do Chandelle, do frango e da monossilábica operadora de caixa sem dar risada? A vida tem a cor que a gente pinta!
Love you!

Anônimo disse...

Luuuuuuuu..... Adorei seu texto. Para compensar sua revoltinha e afastar essa nuvenzinha negra, mas passageira, vou te levar no carureu de meu irmão no sábado.
Beijão
Escreva mais!!! Explore e nos deleite com esse dom.

Muda Germinada disse...

Amei, Lu!
Tomara que a dor de barriga tenha sido "daquelas"... kkkk...
Bjs,
Jana